Como dizem as más línguas, todo castigo pra pobre é pouco! A moça já tava cansada de só poder comprar 2 kg de carne por vez, dada a caristia, e resolveu ver como é que era esse negócio do dia da carne. Decidiu então que, naquele mês, deixaria para comprar a carne no dia da carne. E assim fez. Pobresita, não se tocou que, no dia da carne, há também de se enfrentar a fila da carne... E que fila! Ia beirando todo o balcão do açougue, passava pelas prateleiras de leite, açúcar, contornava o quiosque especial com produtos juninos e chegava quase na parede do outro lado, perto da seção de produtos de petshop. Tá tentando lembrar que mercado é esse, né? Pobre!
Bem, prossigamos com a saga da fila. A pessoa sozinha numa fila, sem um livro na mão, sem nenhum celular com joguinhos divertidos, qui-dirá mp3, vai fazer o quê? Ouvir a conversa alheia. Mesmo sem querer. A voz que vinha de trás parecia ser de uma mulher de seus 30 anos, com fortes indícios de associação ao tráfico. "Bandido tá na escuta, tá ligado!", bradava ela ao rádio - e a principiante na fila achou que fosse apanhar por não estar tampando os ouvidos pra não ouvir a conversa! Inocente, pensava que a onda agora era ter rádio justamente pra conversar de um tudo sem ligar se "neguinho" tava ouvindo. E niqui deu aquela olhadela de rabo-de-olho pra trás, pra manjar a pinta da mulher, viu uma menina, com cara de quem desmamou há pouco tempo. "Ah! Vai assustar outro, pô!"
Uma hora e meia depois que havia entrado na fila, já tinha vencido mais ou menos a metade dela. Aí, começa a dar a aquele sentimento de agora-não-vou-desistir... Ah, se soubesse e seu dinheiro desse! Percebeu então a senhorinha à sua frente. Dinâmica, a dita senhorinha deixava o carrinho na fila e ia pegando os outros produtos que queria. E a moça, boazinha, ia empurrando o carrinho pra ela quando a fila andava. E pensava "bem que eu podia estar fazendo isso também!", mas não podia, senão ia ter que pedir pra bandidinha mirim empurrar seu carrinho - e sentia o risco de levar um "se liga!" pela fuça.
E a senhorinha continuava sua caça dentre as gôndolas e, em meio a essas idas e vindas, começou a puxar assunto. Mas é que a moça não gostava muito de conversar com estranhos... Só que a senhorinha era simpática e, além do mais, ela tinha falado diretamente com a moça, diferente daquelas pessoas que, querendo conversar, soltam comentários ao ar pra ver se alguém concorda e começa um conversa (urh!). Mas o que colaborou muito mesmo, sério, sem sacanagem, foi o tempo que ela já tinha dedicado àquela fila. Só conversando fiado mesmo pra distrair um pouco. E até que foi bom! A senhorinha começou a dar várias dicas sobre as carnes: começou a explicar que chã não é tão ruim assim e que dá pra fazer váááárias coisas! E ficou mostrando as diferenças, tipo "olha esse pedaço como é bem diferente desse!" - e ela como se estivesse olhando pra tela de uma ultrassonografia de grávida de pouco, onde o médico, numa luta inglória, tenta mostrar pra mulher qual daqueles pontinhos pretos é o filho, sendo a senhorinha o médico. Pra ela, se o garçon desse, sei lá, acém, dizendo que é mignon, a bichinha ia acreditar e ainda ia pedir pra cortar em bife!
Duas horas e quarenta e cinco minutos de fila e o carrinho da senhorinha tava cheio. O dela, vazio. Ah, mas ela ia encher muito aquele carrinho de carne. Ia ser tanta carne, que não ia precisar voltar mais ali por um bom tempo. Nunca mais, de preferência! E, de repente, "próximo!". "Ai, cacete, o que eu peço?!", pensou a desprevenida. Três horas de fila e ela gastou tanto tempo ouvindo a conversa da bandida e os conselhos da senhorinha que não planejou o que ia comprar - só pensava em aproveitar muito bem aquela oportunidade. "O próximo!!!" "Ai, vou pedir o de sempre... 2 kg de alcatra - ah, e corta em bife, por favor!".